Revista Alternativa

Filme A Flor do Buriti, sobre resistência de indígenas brasileiros, tem acolhida calorosa em Cannes

Selecionado na mostra Un Certain Regard, “Crowrã, A Flor do Buriti”, sobre a resistência do povo Krahô do norte de Tocantins, foi recebido com entusiasmo pela plateia.

A luta pela terra e pela defesa das florestas dos indígenas brasileiros ganha visibilidade internacional nessa edição do Festival de Cannes. Depois de eventos que reuniram líderes indígenas como o cacique Raoni ou a ministra Sonia Guajajara, nesta terça-feira a resistência do povo Krahô foi um dos destaques da seleção.

Renée Nader Messora ficou contente com a acolhida calorosa do filme, que foi aplaudido durante vários minutos na estreia em Cannes.

“Estou contente principalmente porque eu consegui sentir a potência que a presença de Patpro, Hyjnõ e Ihjãc, que são os nossos amigos do Tocantins, faz ecoar em uma sala de cinema cheia como foi aqui”, disse a diretora brasileira.

“A Flor do Buriti” é fruto de uma colaboração de muitos anos dos diretores com a comunidade indígena de Pedra Branca. “É importante sublinhar que o nosso projeto com os Krahô não é um projeto artístico, é um projeto de vida”, salienta João Salaviza.

O filme foi construído em parceria com os Krahô, em um processo coletivo. O roteiro é assinado por João Salaviza e Renée Nader Messora e pelos indígenas Ilda PatproKrahô, Francisco HyjnõKrahô, Ihjãc Henrique Krahô, que também vieram a Cannes para a pré-estreia mundial na mostra “Un Certain Regard” (Um Certo Olhar).

Memória coletiva

A filmagem, atravessada pela pandemia de Covid-19, durou 15 meses, com uma equipe muito reduzida. A narrativa, não linear e sem imagens de arquivo, aborda os últimos 80 anos da história dos Krahô, que vivem no norte de Tocantins. A reconstituição de fatos históricos, do massacre dos Krahô em 1940 até a resistência ao governo Bolsonaro, é feita e interpretada pelos indígenas a partir da memória compartilhada por eles. “É um filme mais amplo, mais plural, que tenta dar conta da potência de ver uma comunidade coletivamente, a pensar e a agir”, diz o diretor português.

“A narrativa no nosso filme, ela vai sempre ser trabalhada com as pessoas, que trazem muito das suas vidas, das suas relações, das suas crenças e da maneira como elas vêm o mundo para o filme. Eu acho que essa é a base da nossa maneira de trabalhar”, completa a cineasta brasileira.

Ao fazer esse resgate da história Krahô, o longa aborda um dos temas mais urgentes para todos os povos indígenas do Brasil: a demarcação de terras e a revisão do marco temporal.

“O filme não podia ser indiferente do que estava a acontecer nesses 15 meses, no auge do bolsonarismo. Enquanto estávamos a filmar, o cotidiano era invadido por todo tipo de eventos, de violências, de perigos, de medo, de anseios, de memórias muito traumáticas que voltavam a surgir”, conta João Salaviza.

Uma das últimas sequências do filme é a participação de representantes do Krahô no acampamento terra livre durante o governo Bolsonaro. A última cena é o nascimento de “mais um guerreiro” na comunidade.

Produção emblemática

Julia Alves, uma das produtoras, diz que a produção de “A Flor do Buriti” é emblemática do desmonte do governo Bolsonaro no setor da cultura. O filme participou do edital de um fundo da Ancine de coprodução entre Brasil e Portugal, foi contemplado em 2019, mas só recebeu os recursos em 2021.

“É o ciclo do governo Bolsonaro, participamos do último edital desse fundo que foi descontinuado. Estar aqui é muito importante, num momento que aponta para novos caminhos, não só na cultura, mas nas políticas de demarcação das terras indígenas”, afirma a produtora, informando que a equipe veio a Cannes com o apoio do Itamaraty e do Projeto Paradiso do governo brasileiro.

“É muito importante que Cannes receba essa comitiva e abra espaço para essa visibilidade fora do Brasil também, porque é uma luta que tem que ser travada ao nível global. A demarcação das terras indígenas não tem a ver só com os povos indígenas, ela tem a ver com a nossa sobrevivência no planeta, enquanto humanidade”, pontua Renée Nader Messora.

*Com informações da RFI.

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